O poeta Bocage fez um poema sobre a morte da Rainha Maria Antonieta, a lamenta-la como barbara. Retranscreve-se aqui.
Guilhotinada aos 16 de Outubro de 1793
Seculo horrendo aos seculos vindouros,
Que ias inutilmente acumulando
Das artes, das sciencias os thesouros:
Seculo enorme, seculo nefando,
Em que das fauces do espantoso Averno
Dragões sobre dragões veem rebentando:
Marcado foste pela mão do Eterno
Para estragar nos corações corruptos
O dom da humanidade, amavel, terno.
Que fataes produções, que azedos fructos
Dás aos campos de Galia abominados,
Nunca de sangue, ou lagrimas enxutos!
Que horrores, pelas Furias propagados,
Mais e mais esses ares enevoam,
Da gloria longo tempo iluminados!
Crimes soltos do Inferno a Terra atroam,
E em torno aos cadafalsos lutuosos
Da sedenta vingança os gritos soam.
Turba feroz de monstros pavorosos
O ferro de impias leis, bramindo, encrava
Em mil, que a seu sabor faz criminosos.
A brilhante nação, que blasonava
D'exemplo das nações, o throno abate,
E de um senado atroz se torna escrava.
Por mais que o sangue em ondas se desate,
Nada, nada lhe acorda o sentimento,
Que as insanas paixões prende, ou rebate;
Vae grassando o furor sanguinolento,
Lavra de peito em peito, e de alma em alma,
Qual rubra labareda exposta ao vento:
Não cede, não repousa, não se acalma,
E a funesta, insolente liberdades
Ergue no punho audaz sanguinea palma.
Barbaro tempo! Abominosa edade,
Às outras eras pelos Fados presa
Para labeu, e horror da humanidade!
Flagelos da virtude, e da grandeza,
Reus do infame e sacrilego atentado
De que treme a Razão, e a Natureza!
Não bastava esse crime?... Inda o danado
Espirito, que em vós está fervendo,
A novos parricidios corre, ousado?...
Justos Ceus! Que espectaculo tremendo!
Que imagens de terror; que horrivel cena
Vou na assombrada ideia revolvendo!
Que victima gentil, muda, e serena
Brilha entre espesso, detestavel bando,
Nas sombras da calumnia, que a condena!
Orna a paz da inocencia o gesto brando,
E os olhos, cujas graças encantaram,
Se volvem para o ceu de quando em quando:
As mãos, aquellas mãos, que semearam
Dadivas, premios, e na mole infancia
Com os ceptros auriferos brincaram.
Ludibrio do furor, e da arrogancia
Sofrem prisões servis, que apenas sente
O assombro da belleza, e da constancia.
Oh justiça dos ceus! Oh mundo! Oh gente!
Vinde, acudi, correi, salvai da morte
A malfadada victima inocente!...
Mas ai! Não há piedade, que reporte
A raiva dos terriveis assassinos;
Soou da tirania o duro corte.
Ja cerrados estais, olhos divinos;
Ja voando cumpriste, alma formosa,
A ferrea lei de asperrimos destinos.
Do rei dos reis na corte luminosa
Revês o pio heroe, por nós chorado,
Que de excelsa virtude os lauros goza.
Na mente vos observo: ei-lo a teu lado
Implorando ao Senhor, que os maus flagela,
Perdão para o seu povo alucinado.
Despido o véu corporeo, ó alma bella,
No seio de imortal felicidade,
Só sentes não voar mais cedo a ella.
Enquanto aos monstros de horrida maldade
Murmura a seu pesar no peito iroso
A voz da vingadora Eternidade.
Desfructa suma gloria, ó par dictoso,
Logra em perpetua paz jubilo imenso,
Que o mundo consternado, e respeitoso.
Te aponta as aras, te dispõe o incenso.
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